Este ano ele estava menos vulgar, porque n�o se consegue converter totalmente uma pessoa e suas trivialidades. O T�nho j� tinha ganhado apelido de estraga-festas nos Natais em fam�lia. No ano retrasado implicou com as pernas da Concei��o, a sua cunhada, recomendando um spa de um amigo, aniquilando todos os sorrisos do jantar.

Ano passado foi pior. Pisou sem querer no rabo do gato da Am�lia, sua sogra. A velha blasfemou, apoiada pelo marido. A esposa veio em sua defesa, pois nunca aprovara aquele gato na casa. Depois de muita discuss�o, pr�s e contras, o T�nho mandou todos � merda. E o Natal tamb�m. Talvez por isso n�o queriam convid�-lo este ano. A mulher, entretanto, novamente interveio a seu favor, amea�ou boicotar o jantar at�, em �ltima inst�ncia, cederem.

– Este ano ele vai se comportar melhor. � Dizia a esposa.

– Onde j� se viu? Pai de tr�s filhos. Tr�s filhos! � Reprovava a sogra.

Todos � mesa, ora��o cumprida. Anfitri�es, filhos, cunhados e netos. O T�nho ainda controlado comentando o �ltimo neg�cio do ano, vendera uma vaca doente para o vizinho. Os outros atentos, aguardando aquele ato triunfal que consumaria a festa. Mas ele nem reparava. Elogiou a beleza da cunhada que � diga-se de passagem � passou uma semana secretamente no referido spa; beijou o gato persa e sorriu para a sogra. Era outro, convertido, o Esp�rito Natalino vivo na mesa. A sua mulher encarava a m�e: �viu, eu n�o lhe falei?� As crian�as bebiam refrigerantes, os adultos degustavam o vinho do Porto. O T�nho devorava o peru:

– Que del�cia. Que del�cia!

As mulheres tratavam o r�veillon.

– Que del�cia o peru. Quem fez?

– O Adolfo, nosso vizinho.

Ele, entusiasmado � efeito do vinho � pediu que erguessem as ta�as, propondo um brinde:

– Ao peru do Adolfo!

– Ao peru do Adolfo! Ao peru do Adolfo!!! � Repetiram as crian�as euf�ricas e sarc�sticas.

E a sogra, com a m�o na testa:

– Pronto, j� come�ou.