O menino de Lins de Vasconcelos

Entrevista concedida em abril de 2001

Se as paredes do sal�o de visitas da Academia Brasileira de Letras tiverem ouvidos, certamente escutaram a voz de um Cony introspectivo, mas seguro de que a literatura e o jornalismo n�o poderiam faltar em sua vida. Os quadros da caricatura dos acad�micos expostos nas paredes s�o prova de que ali, realmente, existem imortais, e n�o somente nas p�ginas que circulam nas bibliotecas e livrarias. At� Machado de Assis, compenetrado e de pincen�, parecia perguntar naquele momento: o que seria de Carlos Heitor Cony caso tivesse se empenhado no sonho de ser maquinista da Central do Brasil? O “bruxo” do Cosme Velho n�o saltou do quadro para perguntar, mas provavelmente diria que a literatura contempor�nea n�o seria a mesma.

Voc� � considerado pelos cr�ticos como o maior intelectual brasileiro da atualidade. Como encara isso?

N�o sou um homem acima do bem e do mal, e tamb�m n�o existe o maior ou melhor intelectual. Temos hoje muitas pessoas que se destacam pelo que fazem, em v�rios segmentos culturais, da� definirem isso. Mas n�o me considero um.

E quem � hoje um grande intelectual?

� dif�cil encontrar. Mas tivemos o Nelson Rodrigues, que foi uma grande perda. Ele era um grande intelectual: pensador, com frases marcantes; cronista, contista, romancista, dramaturgo. Apesar de n�o demonstrar sabedoria, lia Dostoievsk e filosofia.

A nostalgia parece ser fator marcante em grande parte de sua obra. Voc� acha que ela deve fazer parte da literatura, que todo escritor deve ser nost�lgico?

N�o considero, em meu caso, uma nostalgia, e sim uma melancolia. Uma coisa que est� dentro de mim e de certa forma passo para o papel. Agora, cada escritor tem seu estilo.

E na sua rotina de produ��o liter�ria-jornal�stica? Encontra dificuldades em escrever por falta de inspira��o ou devido a outros fatores?

Escrevo por uma certa compuls�o interior, que me faz produzir constantemente. Agora, n�o chega a ser um grande prazer. Antes, alguns fatores influ�am, como o barulho da m�quina de escrever, os locais de trabalho nas reda��es… Flaubert tinha dificuldades. Otto Lara Resende, tamb�m encontrava tamanha dificuldade em escrever. Certa vez, foi encontrado um bilhete de Otto em seus manuscritos, nos quais ele dizia que “s� uma besta se mete a escrever”.

Em rela��o �s bienais do livro, qual a sua opini�o sobre os eventos no Brasil?

Todo ano est� acontecendo uma feira no Rio e outra em S�o Paulo, e o p�blico est� participando muito. S� n�o pode acontecer o que houve recentemente, quando os calend�rios das bienais de S�o Paulo e do Rio coincidiram. Resultado: a bienal de S�o Paulo foi um fracasso e a do Rio faturou muito. Estive na Bienal de Paris, em 1998, e encontrei autores de todo o mundo. Quem tamb�m prestigiou foi o presidente Jacques Chirac.

Ele levou um livro do Paulo Coelho na ocasi�o. Como voc� v� a ascens�o de Coelho no exterior e todo o seu sucesso?

O Paulo pega uma “corda que vibra no interior das pessoas”. E n�o vejo vigarice nisso. O sucesso dele est� na simplicidade e humildade. Ele � muito criticado por seu conte�do, sabe disso, e continua em sil�ncio, s� produzindo.

E se ele se candidatar a uma cadeira na ABL, tem chances?

Depende da concorr�ncia. Se, por exemplo, o Fernando Sabino disputar com ele, o escritor mineiro vai entrar. O que se levar� em conta ser� a notoriedade do Paulo.

Nesse caso, a ABL n�o � elitizada?

A Academia � apenas uma circunst�ncia. � claro que aqui dentro temos literatos e not�veis, mas todos t�m uma liga��o com a literatura. O Ivo Pitanguy, por exemplo, na minha opini�o � um dos maiores conhecedores da literatura francesa no pa�s, apesar de m�dico. O economista Roberto Campos � um senhor fil�sofo. Mas vemos na hist�ria que a Academia Francesa, por exemplo, era basicamente formada por not�veis.

A literatura no Brasil tem caminho pr�spero?

A literatura no Brasil se desenvolveu passo a passo com a Hist�ria do Brasil. S�o duas manifesta��es simult�neas. O pa�s foi criado com literatura, desde a carta de Caminha, no descobrimento, que � um documento fant�stico. O pa�s tem uma voca��o liter�ria.

Cony por Cony?

Sou o menino de Lins de Vansconcelos, espantado diante do mundo (ap�s um minuto de sil�ncio). Ganhei e perdi muita coisa na vida, mas hoje, quando estou em d�vida com alguma coisa, consulto o menino dentro de mim.

(Nota da red. Lins de Vasconcelos era o nome da rua onde Cony morou quando crian�a e hoje nome a um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro).