Certa vez uma pessoa perguntou se me acho diferente por ser escritor. N�o me disting�o dos outros pelo of�cio que exer�o. Tenho boca, dois olhos, e penso besteiras como todos, al�m de pass�-las para o papel. Mas se eu escrevesse tudo o que penso, ent�o definitivamente seria diferente. Seria um escravo das letras mal tra�adas. Dos pensamentos err�neos. Da tinta e do papel.

Todavia, entre a tinta e o papel h� um pacto que me denuncia. Aquele ato de sentar-me frente a uma folha virgem, inibida, empunhar uma caneta audaz e maliciosa com sua tinta voraz, pronta para penetrar na alvura. Levo a m�o ao queixo e me esque�o desse namoro entre a tinta e o papel, compenetro o olhar num objeto e n�o o enxergo.

Que coisa! Tenho certeza e confesso, a� est� uma diferen�a. Enxergar o que n�o vejo, fazer trocadilhos com o pensamento vulner�vel, transar com a imagina��o. Cego os olhos por instantes e deixo o cora��o escrever. �s vezes torna-se rid�culo, sou desprovido da raz�o. Mas onde h� uma quando um cora��o escreve?  

Entrego, por fim, o prazer � tinta e ao papel, que se amam loucamente nos rabiscos involunt�rios sob meus olhos que se fazem de cegos. Torno-me testemunho desse romance, que compartilho atrav�s dos pobres pensamentos. Minhas id�ias, por�m, n�o s�o apenas palavras que escorrem pela caneta e sucumbem na folha. Elas se tornam um terceiro elemento, uma amante. Sim, a tinta, o papel, e entre eles as id�ias. � o �nico tri�ngulo amoroso que d� certo.