O colecionador de hist�rias cotidianas
O angolano Jos� Eduardo Agualusa � um escritor peregrino, e, como tal, cultua a literatura universal, mas a partir de uma �tica peculiar e regional. Com passagens pelo Rio – onde morou um bom tempo – Nordeste do Brasil, Angola � sua p�tria movida a guerra civil � e Portugal, onde reside atualmente, seus textos s�o o espelho das tradi��es que permeiam t�o distintos ambientes, seja em casos populares ou em personagens especiais criados a partir do imagin�rio.
F� de Jorge Amado e Rubem Fonseca, Agualusa esteve no Brasil para o lan�amento de seu livro de contos, Manual Pr�tico de Levita��o (Gryphus). Entre uns e outros compromissos, concedeu esta entrevista ao Cultura Hoje.
Em seu livro de contos, voc� d� um toque de religiosidade em alguns textos. Na sua opini�o, isso � peculiar aos escritores de l�ngua portuguesa do Brasil e da �frica, devido ao misticismo que envolve a hist�ria desses povos?
N�o creio. No caso do Brasil, a maioria dos escritores, sobretudo entre os mais jovens, � proveniente de grandes cidades, com uma forma��o mais europ�ia. N�o parecem manter liga��es profundas com a cultura popular de matriz africana.
Pense, por exemplo, no Bernardo de Carvalho, na Adriana Lisboa, ou mesmo na Patricia Melo. No caso dos pa�ses africanos, esse interesse pela magia, ou pelo imagin�rio popular, � de fato mais expl�cito.
Num pa�s como Angola ou Mo�ambique, o fant�stico est� por toda a parte. N�o h� como n�o ser contaminado por um tal ambiente. Toda a obra de Mia Couto � atravessada pelo lado m�gico da realidade. No meu caso, � um pouco diferente. Eu me interesso tamb�m por esse lado, e at� mais, pelo absurdo do quotidiano. No meu romance O estranho em Goa o principal personagem � o diabo, todos os personagens podem ser, ou n�o, o diabo. Eu acho o diabo a mais extraordin�ria, e fascinante, cria��o da literatura universal.
Em uma entrevista a um di�rio brasileiro, voc� considerou feia a literatura do eixo Rio-S�o Paulo. Por qu�?
� falso. N�o disse, nem poderia ter dito nunca, um disparate desses. Alguns dos escritores que mais me influenciaram, e que eu mais amo, s�o precisamente escritores do eixo Rio/S�o Paulo. � o caso �bvio de Rubem Fonseca. Mas poderia citar muitos mais. O que eu disse � que os escritores paulistas t�m quase todos uma forma��o mais europ�ia.
S�o mais portugueses, mais sombrios. Isso n�o quer dizer que n�o sejam bons. H� excelentes escritores em S�o Paulo. Como leitor de Jorge Amado e Rubem Fonseca, seu texto evidencia um tom regionalista n�o muito usual na literatura moderna, que usa o cen�rio cosmopolita.
H� espa�o para essa tend�ncia num mercado onde os autores usam uma narrativa cada vez mais universal?
Sou muito pouco regionalista na medida at� em que os meus livros refletem a minha mais ou menos for�ada err�ncia pelo mundo. Mas n�o concordo contigo. Sempre houve e continua a haver escritores que partem do regional para alcan�ar o universal, e que fazem imenso sucesso. Basta pensar no escritor mais lido do nosso tempo, Gabriel Garc�a M�rquez.
Percebe-se que novos livros s�o adaptados para o cinema, numa retomada da ind�stria principalmente no Brasil. Nesse contexto, em sua opini�o, � o cinema quem pauta hoje os grandes autores?
Nem por sombras. Acho muito bom que exista essa liga��o, pode ser excelente tanto para o cinema quanto para a literatura, mas n�o me parece nada que o cinema condicione o desenvolvimento da literatura. O que existe sim, e isso ser� um fen�meno novo, s�o escritores muito marcados pelo cinema, e cuja escrita reflete tal presen�a. O ritmo mudou, acelerou-se, e isso talvez seja influ�ncia do cinema.
Por que s� agora, de poucos anos para c�, os autores africanos de l�ngua portuguesa est�o conseguindo proje��o no Brasil?
Porque o interesse por �frica aumentou. Por um lado, o Brasil come�ou finalmente a tra�ar uma pol�tica externa, que passa pela reaproxima��o com a �frica. Por outro lado, a maioria dos brasileiros de ascend�ncia africana, uma parcela dos quais v�m ganhando mais influ�ncia pol�tica, cultural e at� econ�mica, exige essa aproxima��o, como forma de recuperar a sua dignidade e o seu orgulho.
Finalmente acontece que essa literatura vem alcan�ando um razo�vel sucesso na Europa, ganhando uma visibilidade, e uma autoridade, que antes n�o possu�a. Antes, ali�s, nem havia literatura a mostrar.