CAMPOS, RJ – Se existe Papai Noel, ele n�o passou pelo acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Campos, Norte Fluminense. Mas teve substituto � altura. Na noite de 24 de dezembro, o esp�rito natalino marcou presen�a na confraterniza��o das fam�lias e na voz do lavrador Dion�sio Barbosa Euz�bio, de 46 anos. Ele precisou apenas de banquinho e viol�o para alegrar o ambiente com suas can��es improvisadas. Com humor e talento, arrancou risos dos mais sisudos e atraiu a aten��o dos pequenos. Provou que n�o � preciso ter barba branca e touca vermelha para estrelar um Natal.

Dion�sio conseguiu animar a noite com o jeito brincalh�o. Por mais que tentasse, no entanto, n�o realizaria os sonhos de alguns companheiros. A atendeu ao pedido do coordenador do acampamento, Carlos Augusto, de 28 anos, que insistiu como uma crian�a para que cantasse Chico Mineiro. A apresenta��o foi digna de aplausos e das l�grimas de alguns marmanjos. Mas o desejo oculto de dona Neli da Silva Stellet era outro. ”Quero conhecer Veneza e andar de g�ndola”, disse ela. Fica para mais tarde, conformou-se, ap�s confessar que uma casa j� � o bastante.

Discursos – �s 23h, cerca de 60 pessoas, adultos e crian�as, se reuniram em frente a uma farta mesa de frutas. Espa�o aberto para discursos, a veterana Neli enfatizou a uni�o da comunidade, enquanto seu Francisco Alves, de 66 anos, puxou as orelhas dos que n�o seguem as diretrizes do movimento. Mal terminou a ora��o do Pai Nosso, l� veio ele de novo, carregando o viol�o. ”Canta a�, Dion�sio”, pediu Carlos Augusto. E a m�sica n�o parou.

Na mesa eram distribu�das fatias de panetone e melancia, papa de milho, salada de frutas e refrigerantes. Uma garrafa de champanhe brindou a meia-noite, quando as crian�as come�aram a desembrulhar os presentes: bolas e bonecas.

Artista – Carol Viana Barbosa, de 3 anos, olhos azuis e cabelos louros encaracolados, quer ser artista e vai come�ar a aprender bal�. E j� faz pose. Em frente ao barraco onde mora com os pais e uma irm�, fez caras e bocas ao ver a m�quina fotogr�fica. De repente, recusou-se a continuar. ”J� fiz muitas fotos”, esnobou, com charme. Queria ganhar uma boneca, mas se contentou com a bola colorida.

Dante da Silva, de 9 anos, n�o escondeu a alegria ao receber sua bola. ”Quero ser jogador de futebol”, revelou o torcedor do Flamengo. Nas f�rias escolares, ele deixa a casa em que mora com a m�e e seis irm�os, no bairro de Goytacazes, e faz companhia ao pai no acampamento.

Barbie – Embora n�o tenham grandes aspira��es como a pequena Carol, as irm�s Marta, de 9 anos, e Michele Vieira, de 11, sonham com presentes melhores. A mais velha brinca com a bicicleta de um conhecido, mas quer ter a sua. ”Gosto muito da Barbie”, confessa a menor, sem titubear. A boneca � unanimidade nos sonhos de consumo das meninas do acampamento, onde se vive uma inf�ncia diferente dos padr�es urbanos. Dos 180 barracos, s� dois t�m televis�o.

O acampamento se divide em tr�s n�cleos: Dores e Mergulh�o, que disp�em de �gua e luz, e Saquarema, ainda carente desses servi�os. Ficam na margem da rodovia BR-356, a cinco quil�metros do centro de Campos, no terreno de uma usina de a��car desativada.

Zico – Em clima de Natal, at� um Zico apareceu na celebra��o. O esbelto Jos� Adelmo Nunes, de 49 anos, ganhou o apelido pelo rosto fino e o cabelo que lembram o Galinho de Quintino. Al�m disso, Zico garante que jogou tanto quanto o �dolo rubro-negro. ”Na minha juventude, fui artilheiro e campe�o aqui na regi�o”, contou o lavrador.

O carrancudo Evaldo Ven�ncio, de 66 anos, de mau s� tinha o semblante. Soltou uma gargalhada ao ver o tombo de Dion�sio, culpa do fr�gil banquinho. � conhecido como o Homem do Milho. E de certa forma, faz jus ao apelido. ”No meu pedacinho de terra, arranco do p� mil espigas por dia”, afirma com voz rouca. Todos os dias, �s 6h, sai na Caravan com alto-falante rumo � cidade para vender o resultado da colheita.

Touros – Manoel de Oliveira, de 65 anos, n�o tem carro, mas mostra orgulhoso o seu maior patrim�nio, que considera t�o potente quanto um autom�vel: os touros Diamante e Carbonato, que puxam a carro�a na aragem da terra.

Passava das 2h da madrugada, mas o incans�vel Dion�sio mantinha um pequeno grupo animado. A maioria j� tinha se recolhido aos barracos. O l�der Carlos Augusto ganhou sua can��o, a pequena Carol se satisfez com a bola e seguiu sonhando com o bal�. Dona Neli adiou mais uma vez a viagem a Veneza e Dantas disse que vai treinar para jogar no Flamengo. Todos esperam que o Papai Noel volte em 2002, mesmo que seja de novo s� com um banquinho e um viol�o