Publicada em 2003 no JB. Luizinho infelizmente nos deixou na pandemia da Covid-19

Quando foi contratado como office-boy para a Academia Brasileira de Letras, aos 17 anos, Luiz Antônio de Souza escorregou na gramática frente ao imortal Austregésilo de Athayde, então presidente do tradicional ninho literário. Trocou o “eu” por “mim” numa frase e foi advertido pelo patrão. Passados 31 anos, Luiz Antônio recorda o erro como o trampolim para uma guinada em sua vida. O ex-garoto de recados, morador da Vila Cruzeiro, no subúrbio do Rio de Janeiro, tornou-se bibliotecário – hoje o mais antigo da Casa – e fez do contato com os livros mais que uma profissão. Fala francês e dá palestras. Seu grande sonho, confessa, ainda está por vir. Quer escrever um livro e tornar-se imortal. “Não posso negar que seja um sonho de todos os que lidam com isso” revela Souza, ao referir-se a uma vaga no salão Petit Trianon, sede da ABL.

Ele prefere não comentar seus projetos editoriais. Diz que uma cadeira na Casa é questão de muito tempo e talento, mas não um sonho impossível. E deu uma mostra: exibiu um texto em que fala da importância do livro para a sociedade. De quebra, faz uma breve análise da obra de Machado de Assis – seu ídolo. Com base nisso, Souza já proferiu dez palestras em escolas da Região Metropolitana do Rio.

Em meio a tantos exemplares, o bibliotecário encontra campo aberto para se aprimorar – tem uma meta de leitura que, se não torná-lo tão letrado quanto os imortais, ao menos o colocará na seleta lista dos amantes da literatura. Em casa, possui 1.200 livros. “Minha mãe mal sabia falar, mas em minha casa havia muitos dicionários e enciclopédias. Hoje, leio pelo menos 25 livros por ano. E tenho muitas outras obras autografadas pelos imortais” diz, com os olhos brilhando.

Aos 48 anos, Souza por enquanto quer o anonimato. Discorre sobre política, futebol e religião sem tropeços, com a eloquência adquirida nas três décadas de convivência com os escritores na sede da ABL. Mais “tempo de casa” que ele, só o romancista Josué Montello. Ele teve o privilégio de cumprimentar mais de 40 eleitos. “Uma pessoa que marcou muito a minha carreira foi Antonio Houaiss. Foi para ele que fiz o meu primeiro trabalho como bibliotecário e ele se tornou uma referência para mim”.

O contato com os imortais é outro privilégio na carreira de Souza, segundo conta. Aprendeu a falar francês, por exemplo, depois de ganhar uma bolsa do acadêmico Américo Jacobina Lacombe, falecido em 1993. “Quero viajar para a França e conhecer a academia de lá, além do palácio Petit Trianon.

Não é por menos que Souza respira literatura. Sob sua tutela, na biblioteca, estão o tinteiro de Euclides da Cunha, a escrivaninha de Olavo Bilac e algumas estantes lotadas do acervo de Manuel Bandeira. Nas prateleiras, acervos de Machado e Afrânio Peixoto, entre outros. Fora dali, quer ser professor. Pretende fazer um curso e lecionar Português. “Esta a glória que fica, eleva, honra e consola ” cita a frase machadiana, enquanto cultiva o sonho de uma vaga na ABL.

O imortal Arnaldo Niskier é admirador do bibliotecário, mas vê com cautela o seu sonho: “Não conheço ainda nada do que ele escreveu. Para entrar na academia é preciso escrever bem, não só falar bem” ressalta, sem contudo desacreditar Souza.