“N�o ficaremos parados diante dos neoliberais da estrelinha”

Helo�sa Helena Lima de Moraes Carvalho tem um amigo padre que um dia lhe confidenciou a frase: �Partido � meio, assim como a igreja. O fim � o reino de Deus. As igrejas s�o o meio�, lembrou ela em um artigo recente. Fiel � sua trajet�ria pol�tica, a senadora alagoana segue o mote ao p� da letra. Quem rememora os acontecimentos da carreira de Helo�sa � principalmente a sua expuls�o do PT � h� de concordar com a senten�a ao conferir o que ocorreu desde ent�o. Ela trocou de legenda, mas n�o mudou o vi�s do discurso contra as injusti�as sociais. Ao lado dos dissidentes Bab� e Luciana Genro, fundou o P-SOL � Partido Socialismo e Liberdade, que a lan�ar� candidata � presid�ncia da Rep�blica em 2006.

N�o ser� surpresa se a senadora alagoana receber milh�es de votos no pleito. A vit�ria, ela mesma admite, � quase imposs�vel, mas entrar� na briga. �Quando terminarmos a campanha de 2006 queremos estar de cabe�a erguida olhando nos olhos dos trabalhadores com a consci�ncia tranq�ila do bom combate�, diz, confiante. Nessa batalha prevista, ela � direta ao apontar casos que considera injusti�as e j� mirou o advers�rio, no melhor estilo que a consagrou: �O Governo Lula faz a vergonhosa op��o de legitimar a velha e carcomida verborragia da patifaria neoliberal. Potencializa a alegria dos que chafurdam na pocilga do capital, promove contra-reformas, desestrutura parques produtivos, destr�i postos de trabalho e enaltece moralmente e publicamente a canalha da pol�tica nacional�.

Baseado em 21 pontos, o programa de governo do P-SOL n�o foge da compara��o � cartilha do PT, firmada h� 25 anos. Helo�sa quer inclus�o social com reformas agr�ria e urbana, al�m de rompimento imediato com o FMI. Para ela, a Lei de Fal�ncias e a aprova��o das Parcerias P�blico-Privadas (PPPs) causar�o �o aprofundamento do parasitismo do Estado e a corrup��o�.  No pa�s cujo ministro da Fazenda � um m�dico, a enfermeira � forma��o da senadora � mostra que n�o deixar� sua candidatura ir para a UTI. �O nosso Programa apresenta uma alternativa de esquerda para o Brasil, democr�tica e plural, com mecanismos concretos que  garantem a participa��o ativa da milit�ncia�, refor�a a senadora, em entrevista exclusiva � revista O Pa�s.
 

O pa�s vive uma situa��o in�dita, com a chegada da esquerda ao poder. Como a senhora avalia a atual administra��o do PT?

Infelizmente, infelizmente mesmo, o Governo Lula � uma med�ocre ferramenta da propaganda triunfalista do neo-liberalismo. Lula chegou � Presid�ncia em uma conjuntura absolutamente favor�vel, sendo a maior lideran�a popular do Brasil, eleito com mais de 65% dos votos – em uma elei��o onde desde o primeiro turno mais de 70% da popula��o votou em candidaturas que se apresentavam como de oposi��o ao Governo FHC � em um �ambiente econ�mico� com ajuste interno, retorno dos super�vits comerciais desde 2002, infla��o baixa.

No in�cio do seu Governo contou ainda com juros baixos, fluxo de capitais abundante, infla��o pr�xima de zero, pa�ses perif�ricos crescendo. E o que faz o Governo Lula? Enfrenta as vulnerabilidades e dificuldades econ�micas t�picas do neo-liberalismo? Promove Reformas progressistas ou ao menos republicanas que possibilitem superar o Estado parasitado e privatizado a servi�o da c�nica elite pol�tica e econ�mica? Investe em pol�ticas p�blicas? N�o! N�o! O Governo Lula faz a vergonhosa op��o de legitimar a velha e carcomida verborragia da patifaria neo-liberal. Assim sendo, potencializa a alegria dos que chafurdam na pocilga do capital, promove contra-reformas, desestrutura parques produtivos, destr�i postos de trabalho e enaltece moralmente e publicamente a canalha da pol�tica nacional. E ainda se d� ao luxo de continuar fingindo de forma desavergonhada que o seu Governo n�o � de continuidade e aprofundamento do modelo dos sonhos tucanos.  

Voc� luta pelos sem-terra que promovem ocupa��es em variadas �reas do pa�s. O que falta ao governo para fazer uma reforma agr�ria significativa? Como se faz uma reforma justa, ajudando a quem de fato precisa, sem �nus abusivos para a Uni�o?

Os movimentos ocupam terras improdutivas porque o governo n�o tem pol�tica de Reforma Agr�ria. Vive em p�ndulo entre as press�es da bancada ruralista e o  agroshow –  que o Governo Lula prioriza como refer�ncia de produ��o e exporta��o para pagar os servi�os da d�vida – e o gesto de colocar o bon� do MST. Todos lembram que ainda em 2003, uma comiss�o � a partir de uma delega��o do pr�prio Governo � e coordenada por Pl�nio Arruda Sampaio estruturou um Plano Nacional de Reforma Agr�ria. Esse plano era ousado porque estabelecia como meta assentar um milh�o de fam�lias em 4 anos. Essa meta � plenamente fact�vel desde que haja vontade pol�tica. E essa vontade deve estar  apresentada na destina��o de recursos e na arrecada��o de terras griladas, por exemplo, nunca restrita aos discursos de demag�gica conveni�ncia para cooptar os movimentos sociais. Esse PNRA previa instrumentos essenciais que deveriam ser utilizados de forma integrada e complementar e de acordo com as caracter�sticas de cada regi�o e das diversas  comunidades a serem beneficiadas. S�o instrumentos de redistribui��o de terras, regulariza��o de posses e novo reordenamento agr�rio; de fornecimento dos meios indispens�veis � explora��o racional da terra, com infra-estrutura,  pol�tica de cr�ditos, assist�ncia t�cnica e alternativas de desenvolvimento sustent�vel para os  benefici�rios da reforma agr�ria e aos agricultores familiares; de dinamiza��o econ�mica,  e da vida social e cultural das �reas desapropriadas. Todos n�s sabemos que o instrumento priorit�rio de obten��o de terras para o assentamento de fam�lias � a desapropria��o por interesse social, complementada pela compra e venda (Decreto 433); destina��o de terras p�blicas; obten��o de �reas devolutas; e, outras formas de obten��o (devedores, da��o em pagamento).

O custo desse processo � insignificante diante do retorno social e econ�mico com a gera��o de postos de trabalho, o aumento da produ��o agropecu�ria (maior efici�ncia no uso da terra) e a melhoria das condi��es de vida das fam�lias pobres que perambulam pelas estradas e favelas do pa�s. Embora os gastos de implanta��o dos assentamentos sejam imediatos, os recursos do governo federal com a aquisi��o de terras para reforma agr�ria pode ser dilatado, pois seu instrumento legal de desapropria��o por interesse social, � resgat�vel em 20 anos, e os benefici�rios come�am a ressarcir o valor da terra recebida, em geral, a partir do terceiro ano da sua condi��o de assentado.

� muito importante tamb�m alterar os �ndices de produtividade (o Grau de Utiliza��o da Terra � GUT � dos anos 80). Essa altera��o pode ser feita, se vontade pol�tica houvesse, apenas com uma medida interna dos Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agr�rio, o que possibilitaria um aumento significativo do estoque de terras dispon�veis para a reforma agr�ria modificando a velha l�gica de produ��o agropecu�ria. � fundamental priorizar a agricultura familiar para garantir a soberania alimentar e  aumentar os n�veis de emprego, renda e da pr�pria produ��o agr�cola no Pa�s. De acordo com os dados oficiais, a agricultura familiar corresponde a 4,1 milh�es de estabelecimentos (84% do total), ocupa 77% da m�o-de-obra no campo e � respons�vel, em conjunto com os assentamentos de reforma agr�ria, por cerca de 38% do Valor Bruto da Produ��o Agropecu�ria, 30% da �rea total, pela produ��o dos principais alimentos que comp�em a dieta da popula��o � mandioca, feij�o, leite, milho, aves e ovos � e tem, ainda, participa��o fundamental na produ��o de 12 dos 15 produtos que impulsionaram o crescimento da produ��o agr�cola nos anos recentes.

Em toda a d�cada de 90, a agricultura familiar teve aumento de produtividade maior que a patronal: entre 1989 e 1999, aumentou sua produ��o em 3,79%, apesar de ter tido uma perda de renda real de 4,74%. A agricultura patronal, no mesmo per�odo, teve perda menor (2,56%), mas aumentou a produ��o em apenas 2,60%. E este desempenho tem ocorrido sem que haja um acesso ao cr�dito proporcional � sua participa��o na produ��o. � a agricultura familiar, que responde por 37,8% da produ��o, consome apenas 25,3% do cr�dito, enquanto a agricultura patronal, que responde por 61% da produ��o, consome 73,8% do cr�dito. Segundo dados do Censo Agropecu�rio 95/96, enquanto a agricultura familiar gera, em m�dia, uma ocupa��o para oito hectares utilizados a patronal demanda 67 ha para gerar uma �nica ocupa��o, chegando a demandar 217 ha para cada ocupa��o na regi�o Centro Oeste. Estes dados explicam por si s� a insensibilidade do Governo com a quest�o.


A mesma tens�o do campo se vive nas metr�poles. H� um d�ficit habitacional de milh�es de resid�ncias. Qual o seu plano para uma reforma urbana?

Segundo as frias estat�sticas oficiais, que escondem hist�rias de vidas que est�o sendo destru�das, existe um d�ficit habitacional de 4 milh�es de resid�ncias no pa�s al�m da m�dia de 4,2 pessoas por domic�lios, o que � considerado adensamento excessivo. No documento D�ficit Habitacional no Brasil � 2000, elaborado pela Funda��o Jo�o Pinheiro � PJF, � feita uma an�lise sobre a inadequa��o dos domic�lios, ou seja, aqueles que apresentam defici�ncia em um ou mais aspectos analisados e necessitam de a��es espec�ficas, tanto do setor p�blico quanto do privado.

Apontando tanto para a necessidade de aumento da oferta dos servi�os de infra-estrutura b�sica quanto da necess�ria defini��o de instrumentos que facilitem a legaliza��o da posse da terra e da implanta��o de linhas de cr�dito, visando � reforma ou amplia��o da casa pr�pria. Assim, cada um dos componentes estudados define clientelas potenciais que devem acionar esferas distintas de compet�ncia na busca do equacionamento dos problemas apontados. Da� a necessidade de realizar a reforma agr�ria e assim minimizar o �xodo rural, de abrir linhas de cr�dito que possibilitem a constru��o da casa pr�pria ou a compra de material de constru��o para melhoria do espa�o habitacional e da qualidade de vida das popula��es pobres com a infra-estrutura adequada, al�m do reordenamento sobre o espa�o urbano com uma clara pol�tica de enfrentamento � especula��o imobili�ria. A grav�ssima crise no setor � demonstrada nos epis�dios de massacres e assassinatos dos pobres sem-teto � como recentemente em Goi�nia – nas tais das reintegra��es de posse dos espa�os urbanos


Em sua cartilha, o partido cita o �modo petista de privatizar� e critica a aprova��o das PPPs. Em sua opini�o, n�o h� vantagens para o governo? Qual o perigo?

Quem analisa os memorandos t�cnicos, as cartas compromisso e as cartas de ajuste impostas pelos gigol�s do FMI sabem, se honestidade intelectual tiverem, que a Lei de Fal�ncias e as PPPs (entre outras medidas do saco de maldades deles!) possibilitam uma clara op��o pelo capital,  privatizando setores estrat�gicos e sociais e proporcionando o aprofundamento do parasitismo do Estado, a corrup��o e o aumento das tarifas p�blicas para garantirem o tal do equil�brio econ�mico-financeiro das empresas beneficiadas pela privatiza��o enrustida do PT. � um nojo!


O P-SOL tem um programa de governo praticamente alinhado ao do PT h� 25 anos, destacando-se a reforma agr�ria, inclus�o social e o rompimento com o FMI. Mas existe um abismo entre o discurso e o exerc�cio do poder, o que se comprova no cen�rio estabelecido pelos petistas. D� para consolidar uma esquerda no poder aliada � ideologia?

Quando o PT deixou de ser um partido de esquerda –  negando concep��es program�ticas ou aderindo de forma vexat�ria � condi��o de anexo dos interesses do Pal�cio do Planalto ou especializando muitos dos seus quadros  nos pequenos e grandes neg�cios sujos � n�s nos sentimos na obriga��o de ajudar na constru��o de um abrigo para a esquerda socialista e democr�tica. Assim, milhares de cora��es generosos e valentes que nunca tinham vivenciado o processo de constru��o partid�ria em bel�ssima unidade com militantes de esquerda espalhados pelo Brasil juntamente com algumas organiza��es de movimentos sociais e parlamentares iniciamos o movimento por um novo partido.  Instalamos em 2004 um f�rum de debates em todos os estados para garantir que a constru��o  do Programa Provis�rio do P-SOL simbolizasse a participa��o de milhares de pessoas e das concess�es coletivas dos diversos agrupamentos socialistas.

Foi uma verdadeira travessia no deserto, em fun��o dos gigantescos obst�culos da legisla��o eleitoral, mas especialmente muitos encontros com andarilhos e caminhantes lutadores do povo que n�o vendem suas convic��es para se lambuzar no convescote do poder. O nosso Programa apresenta uma alternativa de esquerda para o Brasil, democr�tica e plural, de massas e internacionalista, liberta de qualquer interpreta��o fraudulenta do marxismo e do leninismo, com mecanismos concretos que  garantem a participa��o ativa da milit�ncia, e com pleno direito de tend�ncias e profundo respeito �s minorias internas. Se existe abismo entre programa partid�rio e  exerc�cio do poder � porque n�o existe partido e sim vigarice pol�tica, demagogia eleitoralista e outras coisas mais do jogo s�rdido da pol�tica que consiste apenas em tocar os tapetes dos solos supostamente sagrados dos pal�cios do poder.


A senhora acredita que a transposi��o do rio S�o Francisco v� inibir, em parte, os problemas causados pela seca no Nordeste? Tem um plano para vincular o que o governo investir�, em obras, a programas sociais direcionados?

Desde que as caravelas de Am�rico Vesp�cio avistaram o rio pela primeira vez, no dia de S�o Francisco, que a demagogia cresce de forma desvairada com rela��o ao aproveitamento das suas �guas. A Coroa Portuguesa chegou a prometer doar as pedras preciosas das suas j�ias (tudo mentira, claro!) para quem resolvesse o problema do Nordeste. De l� para c�, haja discurso oportunista das putrefatas oligarquias nordestinas em conluio com a c�nica e fria elite paulista prometendo a cada elei��o uma nova panac�ia. O projeto de transposi��o representa n�o apenas uma farsa t�cnica e uma fraude pol�tica mas a reedi��o da velha ind�stria da seca com seus projetos fara�nicos para beneficiar os grandes latifundi�rios da soja transg�nica, das frutas que enfeitar�o as mesas dos hot�is (que crian�a pobre jamais poder� tocar!) e do algod�o colorido de exporta��o, al�m do propin�dromo para beneficiar as empreiteiras, construtoras e seus servi�ais na pol�tica.


O P-SOL aparece como alternativa da esquerda em 2006. Qual a estrat�gia do partido para ganhar eleitores nos Estados? A senhora � candidata � Presid�ncia da Rep�blica?

Se eu fosse carreirista e oportunista jamais aceitaria este desafio de alta complexidade e de chance de vit�ria quase nula. Mas como militante socialista tenho obriga��o –  e a cumpro com muita alegria � de estar dispon�vel para todas as tarefas, fazendo panfletagem em porta de f�brica, coletando assinaturas numa feira do interior do meu estado, sendo candidata � Presid�ncia ou dando aula na Universidade Federal de Alagoas. Sempre encarei mandatos pol�ticos como uma trincheira de resist�ncia e luta a servi�o da minha classe, a classe trabalhadora. Luciana (Genro), Bab� (nossos queridos e combativos deputados) e nossos militantes tamb�m assim pensam.

Ent�o estamos tranq�ilos para tomarmos as decis�es necess�rias para 2006 e de uma coisa temos certeza: N�o ficaremos paralisados diante do falso dilema entre os neo-liberais do tucaninho e os neo-liberais da estrelinha. Estaremos apresentando ou apoiando uma candidatura que represente as concep��es program�ticas acumuladas pela esquerda socialista e democr�tica que corajosamente ousou questionar e propor alternativas ao pensamento �nico, em uma pol�tica de alian�as que se coadune com os objetivos estrat�gicos do P-SOL e sua proposta de Programa de Governo. Com certeza n�o ser� poss�vel alian�a com capitalistas, neo-liberais, c�nicos enamorados da terceira via, homof�bicos,  rascistas, machistas, delinq�entes da pol�tica e outros representantes da sarjeta do mercado. Quando terminarmos a campanha de 2006 queremos estar de cabe�a erguida olhando nos olhos dos trabalhadores com a consci�ncia tranq�ila do bom combate e repetindo o verso do nosso Ledo Ivo: �Que eu mesmo sendo humano, tamb�m passe mas que n�o morra nunca este momento em que eu me fiz de amor e de ventura!�