– Al�, senador?

– Ol�, como vai voc�?

– � o Leandro.

– Leandro do JB, e de Muria�…

Assim se dava todo in�cio de conversa nossa por telefone, quando o ent�o senador Jos� Alencar me concedia pequenos depoimentos sobre assuntos s�cio-pol�ticos em meados da d�cada � diga-se de passagem, num portugu�s corret�ssimo que permeia sua dic��o at� hoje.

Anos se passaram, eu e Alencar s� nos conhec�amos por telefone, e aumentou aquela curiosidade de conhecer pessoalmente um conterr�neo que chegou ao poder m�ximo do Brasil � ser o vice-presidente n�o � somente uma sombra de Lula, nem um adicional ao curr�culo. Quis o destino que nos encontr�ssemos em Bras�lia, em algumas ocasi�es em que s� os apertos de m�os celebrassem sorrisos r�pidos. Em outra ocasi�o, em Belo Horizonte , conversamos rapidamente antes de eu embarcar com o ministro das Cidades, Marcio Fortes, para evento em Muria�. Alencar sempre promete vir. O cargo o sequestra da terra natal.

Por isso � com tantos telefonemas desde 2000, tantos r�pidos apertos de m�os � sentia que faltavam os nossos olhares, n�o os protocolares de encontros ocasionais. Necessitava do bom papo de mineiros ao sabor de um caf� passado, de causos que s� ele poderia contar do alto de sua saga empresarial e pol�tica. Fiquei praticamente dois anos, em mensagens oficiais e espor�dicas, � espera de um encontro.

Num in�cio de noite, exausto no escrit�rio, de olho nas not�cias da internet, recebi um telefonema. A voz um pouco embargada do outro lado da linha denunciava um sotaque conhecido. Era a voz do poder.

– Voc� pode passar aqui amanh� para um papo? � indagou-me Alencar.

Diante do sim imediato do rep�rter, sem levar em conta hor�rios, ele emendou:

– Mas n�o quero pergunta de compadre. Voc� pode perguntar o que quiser.

E no dia seguinte l� estava eu, paramentado como manda o figurino para esses protocolos. Jos� Alencar, � ocasi�o, era o presidente da Rep�blica em exerc�cio, mas n�o usava o gabinete do presidente Lula. Sempre descartou isso.

Era uma quinta-feira. A ampla sala no anexo do Planalto parecia um gabinete papal. Silencioso, � meia luz, pequenas esculturas, provavelmente presentes, espalhadas por mesas e estante. Levantou-se animado, tirou os �culos e cumprimentou-me. Dali, at� o fim do papo, foram praticamente tr�s horas de conversa. Eu, ele e um amigo que levei � o que resultou numa entrevista especial publicada no Jornal do Brasil.

Alencar foi sol�cito � a ponto de, diante do rep�rter inquieto preocupado com agendas vespertinas, desabafar num tom amig�vel: �N�o se preocupe comigo, podemos passar a tarde aqui�.

Alencar contou de mem�rias de sua juventude em Minas � Muria�, inclusive, sobre a saga de virar pequeno empreendedor. Presenteou-me com um livro que relata, em fotos e textos, a constru��o de seu imp�rio t�xtil, sem pompas, e seu semblante e comportamento desnudavam a imagem n�o de rei, mas de um s�dito sempre disposto a felicitar seu interlocutor. Revelou pequenas anedotas e casos da campanha fracassada para o governo de Minas em 1994. Chorou ao ler uma das numerosas cartas que recebe de admiradores � vejam, era o presidente da Rep�blica chorando � minha frente, n�o tinha ideia do que viria: �complete a leitura para mim�, solu�ou, ao passo que o atendi de pronto. E a tarde n�o parecia ter fim.

Sa� da reuni�o mais encantado com a figura do ilustre conterr�neo. Dei uma volta pelos jardins do anexo, � procura do t�xi que chamara, e depois de voltas e voltas ali encontrei o motorista parado, com cara de paisagem e sorriso � meia boca, em frente � entrada do gabinete do homem. Suspeitei de algo e ele soltou:

– Acabo de ver o grande Jos� Alencar � disse-me, j� ligando o carro.

�Eu tamb�m, e voc� n�o sabe o que perdeu�, imaginei, tamb�m sorrindo com os olhos.

Desde o ronco do motor do t�xi naquele crep�sculo de dia quente em Bras�lia, at� o momento em que voc� est� lendo este texto, a expectativa � imut�vel. Se cada brasileiro passasse pela experi�ncia de conviver, por poucas horas, com o brilhantismo deste homem, ficaria a esperar depois de cada tilintar do telefone uma voz rouca a convidar: �Passe aqui para um caf�.