Publicada na JB em 2022

O aposentado José Ferreira acorda cedo e se dirige ao escritório de uma empresa onde trabalha em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A alguns quilômetros de sua casa, Jaime Inácio se veste para encarar o trabalho de torneiro-mecânico enquanto Junival Inácio bate um papo com os amigos na rua. Na mesma cidade, Marinete Cerqueira e Maria Moreno cuidam de suas casas. Em São Paulo, Ruth Gimenez chega a uma escola para fazer a faxina nas salas de aula.

A rotina dos personagens acima seria normal, como a de milhões de brasileiros, não fosse um fator que os diferencia. Eles levam um Silva no sobrenome e são irmãos do presidente da República eleito. O parentesco com Luiz Inácio Lula da Silva mudou suas vidas e, aos poucos, os seis estão aprendendo a lidar com os prós e contras de serem familiares do homem mais poderoso do país.

Não que os irmãos do presidente estejam colhendo benesses do parentesco. Pelo contrário. Nenhum deles nem seus filhos ocupam cargos no governo tampouco recebem ajuda financeira do parente ilustre. Mas se alguém perguntar aos Silva o que mudou em suas vidas depois da posse de Lula, encontrará um ponto comum nas respostas. Todos tornaram-se alvo de assédio e dos mais variados pedidos de ajuda, desde um empréstimo de dinheiro a uma liberação de material importado na alfândega de um porto. José Ferreira, o frei Chico, é o irmão do presidente que mais recebe apelos. Não reclama, mas confessa que o assédio mudou sua rotina.

– Deixei de ir a festas e fico mais em casa. Mudei o número do meu celular e do telefone da minha residência duas vezes. Mas sempre me acham. O povo pensa que o Lula pode resolver tudo, e as pessoas nos procuram (os irmãos) para tentar resolver seus problemas – comenta, resignado.

Apesar de calmo – uma virtude típica em religiosos – Ferreira não é frei. Ganhou o apelido na juventude, devido à calvície precoce. A paciência, no entanto, encontra limites diante de pedidos inescrupulosos que chegam à sua casa.

– Já me pediram empregos, dinheiro e moradia. Teve um pedido ridículo de um empresério. Disse assim: ”frei Chico, me ajuda a liberar um material na alfândega do porto (de Santos) e você vai ganhar muito dinheiro”, revela, indignado.

Frei Chico não se policia ao relatar fatos desse tipo. A simplicidade é peculiar à família Silva. Abordado por telefone, Junival, o Vavá, abre conversa logo: ”Oh rapaz, como é que você vai? Pode falar à vontade”, disse, do outro lado da linha, como se o interlocutor fosse um velho conhecido. Agora aposentado, aproveita a convivência com os amigos, agora conselheiros.

– Meus vizinhos estão sugerindo que eu ande com seguranças, mas não acho que é preciso – conta, rindo. – Um dia pediram para auxiliar no pagamento da faculdade de um menino. Não posso, né? Mas tudo que me enviam, eu mando para Brasília.

O irmão Jaime não é tão comunicativo quanto Vavá. E admite que ainda não se acostumou com a nova fase.

– Na rua todo mundo pergunta se sou mesmo irmão do presidente – diz o torneiro-mecânico, que evita procurar Lula em São Bernardo. – Ele é muito ocupado para isso.

Ruth demonstra ser a mais preocupada do grupo. Tem motivos. A ela chegam solicitações descabidas para a realidade de uma simples funcionária de escola.

– A cobrança a Lula é grande. Já tive pedidos de remédios e até para redução de pena de um presidiário. Houve também autores de livros pedindo que enviasse os exemplares ao Lula. Os vizinhos não incomodam – diz Ruth, que não quer privilégios na escola por ser a irmã do presidente.

A irmã que mais conviveu com Lula, Maria Moreno, divide o tempo entre a família e os pedidos. O último deles? Uma passagem aérea para a Bahia. Já Marinete não tem problemas com as solicitações. Conta que passa despercebida por onde anda. Sua distração é ir ao cabeleireiro, único lugar onde é, de forma discreta, ovacionada:

– A turma fala que eu vou mudar depois que ele virou presidente. Mas não mudo – promete.

Amanhã, Ruth fará faxina na escola, Jaime vai para a metalúrgica, Marinete e Maria cuidarão de casa, Vavá se encontrará com os amigos e frei Chico voltará ao escritório para dar expediente.