Quando crian�a, um primo imitava nas ruas os golpes do Bruce Lee ap�s cada filme que ele assistia do astro em a��o, o que lhe rendeu alguns inimigos na escola e arranh�es de sobra. Assim como ele, os meninos da escola queriam conquistar as garotas com o olhar charmoso do superman para Louise Lene nas cenas em que ele a salvava da queda. Todos n�s, um dia, quisemos ser comparados a um super-her�i. E, claro, imaginamos atos gloriosos na f�rtil mente que nos arremetia a um patamar metaf�sico.

Da �poca da escola no prim�rio � aquele per�odo que a imagina��o cresce tanto quanto a gente � n�o me lembro de salvamentos ou de epis�dios merecedores de registros. H� outros, sim, hil�rios, como da vez que a professora flagrou um aluno. Ela j� desconfiava h� uma semana daquela repentina frase em meio � aula.

– Tia, posso ir ao banheiro?

S� o garoto n�o percebeu que caiu na armadilha da frase-comum e, o pior, no hor�rio de sempre. Dona Marluce foi atr�s e viu no sanit�rio masculino, l� ao fundo perto da basculante, o esfor�o do garoto para tentar atravess�-la voando. Voar mesmo n�o voava. Mas foi dif�cil explicar pra ela o porqu� de a camisa estar amarrada ao pesco�o como uma capa cobrindo as costas.

Eu fui, confesso, um anti-her�i, apesar de sentir-me no direito de imaginar-me um daqueles her�is que assistia na tv. O meu triunfo foi outro, sem poderes sobrenaturais. Conquistei o cora��ozinho da garota mais linda da escola, e como recompensa, al�m de beijos escondidos no rosto, tive a ira de duas d�zias de colegas ciumentos.

O anti-hero�smo prevaleceu, por�m, na fragilidade proveniente da inf�ncia. Tentei dirigir e amassei a traseira da Caravan de um velho e bondoso senhor. Nunca pesquei um peixe � acho que at� hoje, tenho quase certeza � mas matei um a pedrada, quando veio � tona do a�ude na fazenda de um amigo. Em uma cerim�nia c�vica no distrito rural onde minha m�e nasceu, a bandeira seria hasteada pela primeira vez para a alegria daquele povo que morava entre duas ruas de casas feias, uma igreja, uma pra�a e um cemit�rio. No rebuli�o, no corre-corre dos preparativos, uma crian�a n�o identificada derrubou o mastro fixo numa lata cheia de areia, para n�o mais conseguirem ergu�-lo. No dia seguinte, minha m�e ouvia atenta a repercuss�o em um programa de r�dio e maldizia o garoto infeliz que fizera aquilo com o orgulho de sua terra. Eu escutava, calado.

Mas a marcante desventura daquele per�odo � � �bvio que vivi �timos momentos, mas n�o cabe narr�-los aqui � foi vivida naquela escola do meu prim�rio, a Estadual Desembargador Can�do, numa noite de quase-Natal no in�cio dos anos 80. L� ainda existe o palco em que subi para representar numa pe�a teatral sobre o nascimento do menino Jesus. Entre os personagens ilustres, como Maria, Jos�, o Anjo, eu fui a vaca do pres�pio, uma surpresa de minha m�e, a quem coube confeccionar a fantasia. N�o fiz mal, apesar das risadas de uma euf�rica plat�ia. Berrei no momento certo, de quatro, com aqueles chifres enormes feitos de pano e arame e um rabo peludo, para nunca mais voltar �quilo. Decidi que o teatro estaria longe de meus planos.

Ali�s, nunca soube representar. Poucos anos depois, em outra escola, a sala transformou-se em tribunal de julgamento, com professores no papel de juiz e jurado, e uma claque formada por v�rias turmas, um exerc�cio pr�tico que valia nota no boletim. Empurraram-me a responsabilidade de defender a cigarra no lit�gio com a formiguinha, aquela cigarra que vagabundeou o ver�o inteiro enquanto o pequeno inseto trabalhava para se defender no inverno. Sem perceber que entrava num jogo de falsa eloq��ncia, enrolei-me nos argumentos. Em dois minutos eu j� havia condenado a minha cliente. Tamb�m n�o seria um advogado.

Conclu� que, her�is ou anti-her�is, no papel de cigarra ou de formiguinha neste palco que � a vida, somos todos de verdade e temos defeitos e virtudes � estas, engendradas nas fantasias que nos assaltam, a catarse necess�ria. Mas � importante se valer tamb�m dos defeitos. �s vezes, eles nos mostram o que n�o devemos ser. Mesmo que nos valham o desgosto de nos descobrir-mos seres comuns, sem poderes. Como os outros.