Entrevista concedida em agosto de 2003
Baltasar Gárzon Real, o pequeno Balta, estava trancado num seminário espanhol nos idos de 1970 enquanto o general Augusto Pinochet mandava e desmandava do outro lado do mundo, no Chile, proporcionando o terror da ditadura que poucos hoje resgatam na memória. Desde então, passaram-se 30 anos para o estrelato do garoto que deixou o seminário por causa de uma namorada. Os destinos de Gárzon e Pinochet se cruzaram em 1998, quando o espanhol, na condição de juiz com poderes de julgar crimes de terrorismo e contra os direitos humanos, conseguiu um mandado de prisão do general enfermo, em Londres.
O episódio rendeu a Gárzon o reconhecimento internacional. Mas ele já era conhecido em seu país pelas prisões sucessivas de terroristas do ETA (milícia que recorre a atentados na luta pela libertação do país Basco) – lá, Gárzon só circula nas ruas com quatro seguranças. É pausado na fala, mas não perdoa quem considera corrupto. De suas mãos já partiram mandados de prisão contra o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi – por sonegação de impostos -, e contra um cunhado do ex-presidente argentino Carlos Menem, por lavagem de dinheiro do tráfico.
Gárzon sonha hoje com a queda das ”fronteiras judiciárias” na União Europeia para o combate efetivo ao crime organizado. Admite, no entanto, que a parte mais difícil – justamente o apoio das instituições financeiras, a principal via de escoamento do dinheiro do narcotráfico internacional, enfatiza.
_ A lavagem de dinheiro é o cordão umbilical do tráfico de drogas. A única possibilidade de combatê-lo é atacar o núcleo, as estruturas econômicas da lavagem e, para isso, deve-se mexer nas normas bancárias – diz.
Para Gárzon, o crime é organizado em qualquer parte do mundo.
_ Temos que eliminar todas as fronteiras para se investigar as atividades ilícitas. As limitações acabam facilitando a imunidade dos corruptos.
O primeiro passo é a negociação entre as instituições bancárias a fim de evitar o movimento financeiro do tráfico. Isso já está acontecendo na Europa e – acredita – poderia se concretizar no Brasil.
_ Falta vontade política e a aproximação econômica. Deve haver colaboração do setor bancário e a união da polícia e do judiciário, nessa ordem. Em alguns países, como no Brasil, há a inatividade política, judicial e policial. Isso é perigosíssimo porque o cidadão continua desamparado – analisou.
Uma reforma estrutural desse tipo esbarra na burocracia, reconheceu o juiz, mais um percalço que, segundo ele, pode ser resolvido com o esforço dos poderes Legislativo e Judiciário. Antes do caso Pinochet, Garzón já tinha mandado para trás das grades integrantes do ETA. Hoje, trabalha na 5ª Vara da Audiência Nacional – um tribunal sem similar no Brasil, que foi criado em 1977 para investigar, sem limites territoriais, os casos de terrorismo, narcotráfico e lavagem de dinheiro. Foi lá que nasceu a ideia de ”um sistema de normas comuns entre os países e um espaço judiciário único para o combate ao narcotráfico na Europa”.