Entrevista concedida em agosto de 2004
Dizer que há fórmula para o jornalismo seria uma sentença execrável. O que não se pode negar é que competência e persistência – e por que não aliadas a um pouco de sorte, em alguns momentos – tangenciam a carreira de um bom profissional. E nisso, Evandro Teixeira é um ícone do fotojornalismo no mundo. Um expert com uma máquina em mãos, tem na alma a astúcia para eternizar momentos significantes. Com olhar apurado, ele sabe fazer de suas fotos poesias.
Um pouco de ousadia também apimenta a vida desse baiano que comemora 45 anos de carreira. Testemunha de alguns eventos que marcaram época no Brasil e no exterior – cobriu nada menos que 11 Copas FIFA e parte agora para a oitava Olimpíada -, Evandro tornou-se protagonista de outros tantos episódios que incrementam seu currículo. Ele talvez seja o único homem que fez o Papa se ajoelhar a seu pedido. “Isso é conversa”, tenta desmentir, encabulado, com ponta de sorriso. Trata-se da chegada de João Paulo II em 1981, no Aeroporto do Galeão no Rio, quando, segundo se comenta, o pontífice teria beijado o chão mais de uma vez a pedido do fotógrafo que, lá de trás da parafernália, insistia: “Beija aí de novo, seu Papa”. Houve testemunhas.
Falar de Evandro é destacar um dos maiores fotógrafos contemporâneos. Conviver com ele é conhecer um brasileiro humilde e irreverente. Colecionador de amizades, tem na lista desde figuras famosas, como Chico Buarque e Pelé, até gente simples da Feira de São Cristóvão, que frequenta aos domingos. A feira, aliás, é tema de seu próximo livro, assim como outros projetos tomam a sua agenda. Entre eles, a reedição de Fotojornalismo, livro lançado em 1993, e o mais ousado é o que faz animar-se diante da tela de seu site (www.evandroteixeira.net), o 68 Destinos, sobre a histórica foto da Passeata dos 100 mil contra a ditadura militar, em 1968, na Cinelândia. Evandro procura, passados 36 anos, 68 pessoas registradas na multidão de rostos, para o livro que lançará em breve. Se pensa em parar de fotografar? “Eu nem penso em morrer”, brinca, aos risos.
Você trabalha com fôlego de um garoto, com a mesma dedicação para qualquer tipo de pauta. De onde vem essa vontade?
Faço o que gosto, e muito. Tenho saúde e continuo querendo viajar e cobrir de tudo no Brasil e no mundo. Meus amigos me perguntam o que eu faria se ganhasse na loteria. E eu respondo: vou fotografar mais ainda, documentar o Brasil, seu povo, as paisagens, produzir mais. O Brasil é o país mais rico do mundo em cores para fotos. Só paro quando eu morrer, mas não penso nem quero morrer (risos).
Quando se deu conta de que a fotografia era sua vida?
Na Bahia, quando adolescente, eu queria ser escultor. Tinha também um primo aviador que chegava na cidade com fardado e aquilo me fascinava. No colégio, eu já fazia cinema e projetava as cenas na parede (em slide). Mas foi na (revista) Cruzeiro que me tornei fotógrafo, com mestres como Nestor Rocha (tio do Glauber). Estudei em Salvador, estagiei no Diário de Notícias e o Mapin (Manoel Pinto), compositor, foi o responsável por me trazer ao Rio. “Está maluco, o que vou fazer no Rio?”, eu perguntei. Vim para o Rio em 57, fui recebido por Ariston Andrade, baiano, diretor de O Jornal, onde comecei minha carreira. Em 78 comecei no JB.
Alguma vez pensou em chutar o balde?
No jornal nunca fui censurado, apesar do regime militar, onde o trabalho era mais duro na rua. O JB é um dos maiores jornais do país, onde vivi o seu auge, viajei muito, e jamais tive problemas nele. É claro que discussões de trabalho existem, mas só tenho alegria lá. Fiz bons amigos, uns ainda estão por aí, outros já partiram.
Há um personagem que o marcou?
O Pelé foi e continua sendo uma figura maravilhosa. Eu me emocionei quando ele chorou ao carregar a tocha olímpica no Rio este ano. É uma figura iluminada. Outro é Juscelino Kubistcheck, brilhante, carismático, sempre sorridente. Um líder da democracia.
Hoje é o mercado quem pauta o fotógrafo ou há liberdade para a foto-arte?
Já saímos da redação com aquela pauta pré-programada. A qualidade caiu muito com a inserção da foto digital, enviadas por e-mail. Mas há espaços para a foto artística nas galerias, que são importantes para essa liberdade de expressão. Projetos assim são bons. Estou otimista com meu novo projeto, 68 Destinos (ver abertura). Quero fotografar aquelas pessoas como são hoje. Acho que vou pedir textos do Marcos Sá Corrêa, Fritz Utzeri, Fernando Gabeira, Augusto Nunes, Dirceu, Vladimir Palmeira, Elio Gaspari… O da feira de São Cristóvão terá prefácio de Gilberto Gil.
Que foto gostaria de fazer?
Ah, a que vier. Gosto mais de fotografar personagens em movimentos, como nos esportes. A sorte conta também, mas faz parte de um conjunto de fatores. (é o olho já atento – diz a esposa com um esboço de sorriso, lá da cozinha, acompanhando a entrevista). Lembro aquela do estudante em queda, correndo dos policiais na Cinelândia.
Dizem que ele morreu naquela queda.
Acho que sim. Na época, era proibido ter notícias de feridos em confrontos com os policiais nas ruas. Trinta anos depois, publiquei no JB um Box pedindo informações daquele rapaz, mas não tive retorno.
Difícil escapar dessa pergunta para a nova geração: o bom fotógrafo…
É aquele que está atento a tudo, com olhar clínico, sempre com a câmera preparada, pesquisando o ambiente. É claro que não dá pra registrar tudo, né.
Mas conseguiu reunir em Canudos um ótimo trabalho.
A ideia de Canudos veio da minha avó. Quando estudava, li Os Sertões, eu me envolvi com a história. Se tivesse tido a oportunidade de ir lá na Bahia antes, teria registrado mais sobreviventes. Mas o livro me deixou muito grato, vivi muita emoção no encontro com aquela gente, tornei-me amigos deles, e continuo voltando lá todos os anos. Mas hoje todos estão mortos.
Mais de quatro décadas de carreira, o documentário veio em boa hora.
O documentário (Evandro Teixeira – Instantâneos da Realidade) é uma homenagem à fotografia brasileira, que é uma das mais importantes do mundo. O filme é distribuído pela Rio Filmes.
Evandro por Evandro?
Sou uma pessoa simples, gosto de viver o dia-a-dia, de viajar, conhecer o mundo, as pessoas. Adoro ver gente.