Um papo com Elza Bretanha, mulher de Nelson Rodrigues

Sentada no sof� que outrora era o preferido do marido, Elza Bretanha recorda com entusiasmo a sua conviv�ncia com Nelson. Vez em quando, durante a fala, lan�a um olhar consolador � imagem do dramaturgo, fixa do outro lado da sala de jantar. Um olhar de amor eterno, ou “amor de outono” , como ela mesma define sua vida conjugal.

Com uma paci�ncia peculiar, Elza n�o se incomoda em revelar como conheceu o escritor, o casamento escondido, as surpresas que preparava para o marido, a separa��o, a reconcilia��o… e as saudades que ele deixou na fam�lia e nos leitores.

“Conheci Nelson na reda��o do jornal O Globo. Naquela �poca s� havia uma senhora na reda��o, com seus sessenta anos. Fui a primeira mo�a a trabalhar no jornal, jeitosinha e bonitinha. Roberto Marinho ficou em “p�nico�� porque s� tinha homem l� dentro. Nessa �poca Nelson sa�a do sanat�rio, devido � tuberculose.

“Fui a primeira mo�a a trabalhar no jornal, jeitosinha e bonitinha. Roberto Marinho ficou em ‘p�nico’ porque s� tinha homem l� dentro.”

O boato chegou ao seu ouvido: “Nelson, l� no jornal est� trabalhando uma mo�a que � um encanto.” E ele disse: “Est� no papo”. Ele era um conquistador. Foi sentar justamente ao meu lado para trabalhar. Falava muito bem e me conquistou aos poucos. Contava de sua vida, tudo para poder colocar o meu cora��o em alerta. E n�o deu outra, apaixonei-me por ele.

Eu me casei com o Nelson no civil no dia 29 de abril de 1940. Por�m, como minha m�e n�o queria o casamento, foi tudo escondido. Enquanto isso, fui para minha casa e ele voltou para a dele. Naquela �poca a virgindade era tudo. Quando minha m�e descobriu, n�s s� pudemos nos casar no religioso no dia 17 de maio do mesmo ano. Ent�o casei de v�u e grinalda, como queria.

Fomos morar juntos. Logo, preparei uma surpresa para Nelson. A cada m�s, quando se completava um m�s de casamento, ele chegava do trabalho e me encontrava vestida de noiva, dos p�s � cabe�a, com v�u e grinalda. Ele adorou. Fiz isso durante seis meses, at� que no s�timo m�s eu n�o consegui mais colocar o vestido, devido � gravidez.

“A cada m�s, quando se completava um m�s de casamento, ele chegava do trabalho e me encontrava vestida de noiva, dos p�s � cabe�a, com v�u e grinalda.”

Um caso interessante n�o me escapa da mem�ria. Certa vez o Nelson presenciou uma situa��o familiar. O marido bateu muito na mulher, e apesar de apanhar, ela ficou ainda mais apaixonada pelo homem. Ent�o Nelson criou aquela famosa frase: “Mulher gosta de apanhar.” Por�m, o Nelsinho, com 11 anos, estava no col�gio militar, e o pessoal de l� lhe perguntava : “Sua m�e j� apanhou hoje?” Era uma esp�cie de distra��o para o p�blico. Eu chegava no trabalho e as colegas perguntavam: “Elza, quantas vezes voc� j� apanhou hoje?”

“Eu chegava no trabalho e as colegas perguntavam: Elza, quantas vezes voc� j� apanhou hoje?”

N�s ficamos casados praticamente 25 anos no civil. No religioso, n�o fizemos bodas de prata porque ele se separou de mim 16 dias antes do anivers�rio de casamento. Ele foi embora porque gostou de outra mulher. Nelson se achou na obriga��o de sair de casa, e disse para mim: “J� tenho dois filhos crescidos e preciso sair de casa” . Ele n�o me revelou o motivo, que vim a saber mais tarde por outros: ele havia engravidado esta mulher.

Ficamos 14 anos separados, mas sempre amigos. Nunca enchi a cabe�a dele com pens�o e outras coisas. Ele, antes de sair, me deu um emprego maravilhoso, do qual sou aposentada. Nelson pediu trabalho a Juscelino Kubitschek e foi atendido na hora. Como n�o passou no exame admissional devido ao problema de vista, ele abdicou do emprego a meu favor.

Quando meu filho estava na cadeia em 77, Nelson voltou para casa. Foi um “amor de outono”. Havia amor de verdade, ternura. Onde a gente se encontrava na casa, d�vamos um beijinho estalado, uma ponta de beijo verdadeiro. Aquele namoro voltava, um namoro de segurar na m�o, de colocar a m�o no ombro. Foi uma del�cia. S� lamento ter sido durante tr�s anos, por�m foi muito bom. Aquele era o verdadeiro Nelson, que deixou saudades.