Professor de Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro

Vejo com pessimismo o futuro da seguran�a”

A inseguran�a no Rio de Janeiro chegou a tal ponto que foi preciso o governo estadual recorrer ao Ex�rcito brasileiro para inibir o poder do tr�fico, em um trabalho in�dito no combate � viol�ncia que ronda a capital, ao passo que a popula��o fica acuada diante da inefic�cia das pol�cias em combater o tr�fico, cada vez mais ousado e armado.

Diante desse cen�rio, o soci�logo Gl�ucio Soares, do Instituto Universit�rio de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), um dos mais respeitados estudiosos sobre viol�ncia no pa�s, n�o v� com otimismo um rev�s desse quadro caso a sociedade e o governo n�o se unam com pol�ticas efetivas voltadas para a Educa��o e o Social. E � claro na posi��o: enquanto o governo estiver �engessado� no Or�amento e n�o priorizar investimentos no cidad�o e a distribui��o de renda, n�o haver� dinheiro que diminua os �ndices de criminalidade.


Vivemos uma guerra civil no Rio?

Essa express�o se refere ao n�mero de mortes, mas guerra civil de fato n�o h�. Na guerra, algu�m quer tomar o poder de algu�m. N�o � o caso no Rio. O que temos � uma viol�ncia comparada ao de uma guerra civil. Ou seja: 50 mil homic�dios por ano no pa�s, entre 500 e 600 por m�s no Estado do Rio, � uma caracter�stica que se encontra em conflitos armados de guerrilha.


E essas mortes est�o mais relacionadas ao tr�fico?

Temos duas bases de dados: as secretarias de Seguran�a P�blica e do SIM (Sistemas de Informa��es sobre Mortalidade), do Minist�rio da Sa�de. Deve-se trabalhar meticulosamente ambos, porque eles t�m problemas. Os dados do SIM passam por uma revis�o e os das secretarias n�o passam.

Mas o SIM usa os dados das secretarias de Sa�de, em que homic�dio se classifica por toda pessoa que � morta por mais algu�m que n�o seja por acidente. Isso inclui homic�dio culposo. Dev�amos ter a informa��o sobre a v�tima e sobre quem faz, mas isso � minoria. A maioria dos homic�dios no Estado do Rio n�o tem informa��es suficientes no inqu�rito para detalhar o crime e informa��es que levem � solu��o.


Onde os governos erraram para que a seguran�a p�blica chegasse a esse ponto e o que pode ser feito para minorar esses �ndices?

Os dados nacionais a respeito de homic�dios come�am em 1979. Antes disso, n�o se sabe. H� dados sobre o munic�pio de S�o Paulo que retrocedem a 1977. A tend�ncia nas metr�poles, nessa d�cada, era a de crescer. Isso de dizer que o governo militar inibiu a viol�ncia � uma falsa verdade. As taxas eram mais baixas, mas a ditadura n�o tem nada a ver com isso.

Na verdade, o mundo era mais seguro. Se estudarmos as taxas de outros pa�ses, veremos que eram mais baixas. E elas subiram muito por causa das drogas, tanto aqui quanto l�. A Europa tentou controlar o problema da mortalidade n�o s� por homic�dio, mas tamb�m por HIV, atrav�s de uma pol�tica chamada Controle das Conseq��ncias Negativas, para manter esse �preju�zo� dentro de par�metros. Tinham essa id�ia: Primeiro, parar (a viol�ncia) n�o d�. Segundo, do jeito que est�, h� mais mortos. Se liberam as drogas, n�o tenho d�vidas de que os homic�dios ser�o reduzidos drasticamente.


O senhor � a favor da descriminaliza��o?

N�o. Os danos para a sa�de p�blica e para as pr�prias pessoas seriam piores. Haveria interna��es psiqui�tricas de uma maneira gigantesca. Reduzimos as taxas de homic�dio daquela parcela vinculada ao tr�fico, mas n�o se reduz daquela parcela ligada � compra, porque o sujeito ainda tem que manter o v�cio.

Mas h� situa��es em que o pr�prio governo distribui droga, como na Europa. Ent�o n�o precisam roubar e matar para conseguir o entorpecente. Agora, num pa�s em que h� fome, como no Brasil, um Estado manter o h�bito, que � caro, e esse mesmo Estado n�o conseguir aniquilar a fome, � um problema �tico. �lcool e cigarro matam mais que droga, mas matam exatamente porque s�o legais.


Falta conscientiza��o popular ou uma pol�tica mais adequada na seguran�a? Ou � uma utopia minorar os �ndices da viol�ncia?

N�o acabamos com a viol�ncia dentro de uma democracia de jeito algum. Para acabar, voc� tem que infringir direitos individuais considerados essenciais, ou seja, todos t�m a liberdade de escolha. Por outro lado, quando o regime repressivo (da pol�cia) cai, causa uma cat�strofe, porque temos pessoas que passam do Estado para o crime. � muito mais barato prevenir que remediar.

Estudos de organiza��es neo-governamentais nos Estados Unidos mostram que, para reduzir o consumo de drogas em 1%, os americanos t�m de gastar muito na preven��o do plantio da maconha ou do processamento. Ou tentar impedir a entrada da droga. Como � um pa�s de fronteiras amplas, a droga entra por barco, avi�o… � muito menos custoso a repress�o interna e a preven��o.

Em outras palavras, tratam os dependentes e mostra-se que as drogas s�o uma roubada. A estimativa americana � que 70% do mercado de drogas � feito pelos viciados, que n�o fazem outra coisa a n�o ser consumir. A percentagem dos viciados no Brasil � diferente no que concerne a recursos. Comparativamente, os pre�os das drogas s�o mais baratos aqui que nos Estados Unidos. Pra quem vive na favela, a droga � mais barata. J� os “mauricinhos” do asfalto, pagam mais caro. Em termos de percentagem, os recursos que entram para o caixa dos traficantes daqui s�o bem menores que os de l�. Mas � dif�cil comparar.


O que n�o falta hoje � conscientiza��o por parte de ONGs e escolas sobre os perigos da droga. O senhor tem uma vis�o pessimista ou otimista quanto a esse trabalho?

Ainda pessimista, poder�amos reduzir esses n�meros. Faltam recursos p�blicos. A �nica maneira pela qual a sociedade poderia resolver isso � pela distribui��o de renda. Temos que desonerar o Estado, mas esse Estado gasta uma fortuna com o funcionalismo. O dinheiro que o Estado paga a funcion�rios que se aposentam prematuramente � o dinheiro que nos falta para outros fins sociais.  

Soma-se a isso os gastos com as for�as armadas e com as pol�cias, e descobre-se que o governo est� engessado. A d�vida interna � pesad�ssima. Se o governo quiser tratar os viciados, n�o h� dinheiro. E se houver dinheiro, por milagre, n�o h� profissionais capacitados em quantidade suficiente para trat�-los. Ter�amos que importar profissionais.


O governo age corretamente no combate?

O pior � que hoje fala-se negativamente das drogas e do traficante e se ignora o consumidor. Temos que pensar em alternativas, como em gera��o de empregos, mas como gerar empregos se o pa�s n�o investe? Certamente haveria uma queda de homic�dios.


Ent�o a id�ia do presidente Lula de “adotar” um jovem antes que o tr�fico o adote � uma alternativa.

Certamente. � um esp�rito crist�o que falta a muita gente.


Estamos em um caminho apertado. Sem dinheiro n�o h� como investir em Educa��o e em gera��o de renda. Como se resolve essa quest�o?

Tenho uma vis�o pessimista. Vejo as taxas de viol�ncia crescendo ano ap�s ano. Elas cresceram dramaticamente no governo Brizola e continuam a aumentar. Com a id�ia de “pol�cia n�o sobe morro”, criaram �reas de Estados paralelos com atividades ilegais.

O Estado tenta minorar os efeitos da m� distribui��o de renda, mas ele pr�prio causa a defasagem. � muito simples jogar pra cima do Estado, pra cima do Imperialismo, do Capitalismo, a culpa por isso, mas ningu�m se pergunta: “o que � que eu fa�o ou deixo de fazer” para melhorar a situa��o do pa�s? � o exame de consci�ncia que n�o � feito porque n�s temos explica��es f�ceis: colocamos a culpa no governo.