Publicada em 2005
Beija-Flor, Da Bica, Faíca, Galmel, Claudionor, Artista e Cabco. Na linha de frente, Kibanana, Caribé, Nhônhô e Tira-Mágoa. O escrete acima daria bons apelidos a um time de futebol de várzea, mas não passa das prateleiras. Estampa, na verdade, os rótulos das cachaças do bar do Seu Osvaldo, dono da cachaçaria considerada a mais tradicional do Rio, na Lapa.
No balcão, o anfitrião tem o olhar apurador para logo identificar um iniciante. Não há segredo. Isso é fácil para quem passou 28 anos bebendo um litro de pinga por dia. E, se perguntado se já teve problemas com a bebida, Seu Osvaldo rebate logo, astuto: “O gelo conserva os defuntos e a cachaça conserva os vivos”, sorri.
Osvaldo Costa, 78 anos, assim se apresenta. Encosta o braço no balcão, com uma toalhinha no ombro esquerdo, um avental e a experiência de quem comanda a Casa da Cachaça há 44 anos. Abriu o estabelecimento na Rua Mem de Sá, na Lapa do Rio, com o incentivo do chargista Jaguar, até hoje um dos frequentadores. Outros, os transeuntes que por ali passam sem dar atenção às centenas de garrafas dependuradas, não sabem que perdem uma boa aula – até os abstêmios talvez gostassem de conhecer a diferença entre cachaça e água ardente. Pois Seu Osvaldo sabe. E explica:
– Ah, meu fio, água ardente vem da fábrica, que engarrafa, naquele processo industrial depois de comprar a bebida – diz, pausadamente. – A cachaça verdadeira vem da fazenda. É onde plantam a cana, colhem, destilam, engarrafam e lacram, com o nome da fazenda e do proprietário como garantia.
Na Casa de Seu Osvaldo, todas as pingas são da roça, e 80% vêm de Minas, terra que, a seu ver, é a melhor do mundo na produção da bebida.
– A cachaça é a melhor bebida destilada do mundo, mas só o estrangeiro dá valor – reforça.
Desde 1960, 3.183 marcas já passaram pelas prateleiras do Seu Osvaldo. Hoje, garante ter metade delas, e não compra mais. Vai esperar agora o estoque acabar para fechar o bar. Os 54 anos de profissão, desde a pequena Dona Eusébia, sua terra natal em Minas, são testemunhos da labuta – árdua e saborosa, diria um boêmio. Jaguar, diz o Seu Osvaldo, já ensaia um protesto. Mas ninguém o faz mudar de ideia.
– Venho aqui porque gosto de trabalhar, para ver os amigos. Não ganho dinheiro com a cachaça – afirma.
Seu Osvaldo não vende à deriva. Expert, sabe oferecer uma boa dose, que não sai por menos de R$ 2,50. E não economiza nas explanações. Como um filósofo de boteco, de fato, diz que a cerveja é o grande mal dos boêmios e aconselha os amigos que já passaram dos 45 anos a beber só cachaça.
– O sujeito deve ser correto, e faço questão de servir bem. A cachaça deve ser bebida acompanhada de um tira-gosto, como queijo ou pão. Se vejo alguém beber parado e passar da terceira dose, eu aviso logo. “Ei, você tem que comer”.
Curiosamente, o homem que dá tantas dicas e vive em meio a dezenas de garrafas cheias não bebe mais uma dose. Parou em 2003. Só não para de trabalhar. “Eu trabalho para viver”, diz. E já que o homem é dose na dica, vai mais outra: para quem se afoga na bebida por causa de amor, ele sugere medir o vício.
– Mulher e cachaça fazem falta – filosofa, com o esboço de sorriso.