Publicada em 2005
A jornalista Denise Assis lançou um bom livro. Mais que isso, abordou um ótimo tema, atual e instigante. Sua narrativa em “Vende-se Vestido de Noiva”, de tirar o fôlego aos mais afincos leitores de romances policiais, mescla aventura e surpresa a cada capítulo num cenário pouco explorado pelos autores brasileiros: Belo Horizonte.
Com talento, a autora tece uma história que lembra o estilo de García-Roza e Agatha Christie. Mas olhando a fundo sua obra, percebe-se uma classe peculiar de compor uma boa história. Denise se destaca como uma boa surpresa na literatura policial.
Você escreve um romance que se passa em BH, fora do eixo Rio-SP frequentemente explorado pelos autores. Por quê?
Eu queria escrever uma história que envolvesse mistério e crime, mas não se passasse nesse cenário que tanto nos ameaça e assombra, que é o do tráfico do Rio de Janeiro.
Achei, também, que seria pouco desafiador escrever sobre um tema que eu conheci de perto, como repórter, e por isso me decidi por ambientá-lo em Belo Horizonte, capital do estado onde nasci. Foi uma espécie de reencontro com a linguagem da minha terra.
Escolhi escrever uma história que retomasse o meu lado mineiro, o jeito de falar do qual estou distanciada há 28 anos, desde a minha vinda para o Rio.
A sua narrativa tem fôlego, com frases curtas, como na linguagem de um roteiro, despojada de figuras de linguagem. Há espaço para metáforas na literatura policial?
Há espaço para metáforas sim, porém considero que num policial, nada ajuda mais na trama, do que vocâ avançar na história e explorar o perfil dos personagens, dar-lhes movimento e emoção.
Nisso, a experiência como jornalista ajudou muito. Eu diria que foi fundamental.
Seu texto suscita o drama de Nelson Rodrigues somado ao viés misterioso de García-Roza. Há tendências diversas que influenciam os escritores da nova geração. Quais autores marcam o seu trabalho?
Fico lisonjeada com a comparação, pois sou fã de carteirinha de Nelson Rodrigues. Para mim, ninguém se debruçou sobre a mesquinhez humana, no Brasil, como Nelson.
É como se ele tivesse passado a vida na janela, olhando para a casa dos vizinhos e acompanhando o seu cotidiano. Isso me agrada. Gosto dos sentimentos comuns, das pessoas comuns. Há uma tendência atual em se ligar o trailler policial aos grandes centros, a uma ação mais urbana.
De fato, as grandes cidades são mais propícias a que os grandes crimes aconteçam, mas penso como Tolstoi. As emoções típicas dos seres humanos tanto acometem o homem simples, do vilarejo, quanto os descolados urbanos. Vende-se Vestido de Noiva se passa em um grande centro, mas fala de anônimos que tanto poderiam morar em BH, quanto num subúrbio de Nova York.
Não sei dizer se tive influências, embora reconheça que a gente é fruto do que lê. Sem dúvida os policiais clássicos, como Edgard Alan Poe, a própria Agatha Christie e Georges Simenon foram os que eu mais li. E, nos atuais, García-Roza é o que mais me agrada. Ele explora a Psicanálise, base de sua formação, na construção de seus personagens, e isso os torna mais convincentes.
A literatura moderna no Brasil, a seu ver, tem inclinação para o teor policial?
A literatura brasileira já passou por várias fases. Desde a romântica, à descoberta do Nordeste, com Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, e outros. Com Machado ela foi urbana, mas tendendo para a descrição dos costumes, quase como uma crônica, o que nos permitiu imaginar o Rio do século passado e toda a sua efervescência.
Hoje, não sei se pela violência em nossas vidas, há uma tendência a se escrever sobre ela, o que aproxima a literatura atual, cada vez mais dos traillers policiais. Acredito que os escritores façam a crônica do seu tempo. E é isso que se está fazendo hoje. Livros que refletem o cotidiano violento que temos, hoje.
Todo bom livro deve ser adaptado para o cinema? Aliás, são as tendências atuais do cinema que pautam a literatura ou vice-versa?
Não. Há livros que não cabem no cinema. Eu não vejo Abusado, grande sucesso do Caco Barcelos, por exemplo, no cinema. Do mesmo modo que Ulysses, de Joyce.
Há outros que já nascem tão cinematográficos que a tendência é a de que vão parar no cinema. O Amante, de Marguerite Duras, é uma das mais bem realizadas adaptações de livro para o cinema. O mérito é da escritora, que o concebeu como um roteiro. Eu que li o livro antes de ver o filme, fiquei plenamente satisfeita com o que vi na tela. Estava tudo lá.