Publicada em 2005
O chargista acidental, mas perigoso
Ele ri pouco, discretamente, “mas é um cartunista perigoso”, disse certa vez o Jaguar ao ver suas charges. À época, os milicos davam espaço vagarosamente ao processo democrático e Ferdo, astuto, comunista, se embrenhava pelas charges como um guerreiro em um virtual campo minado: o da crítica política.
“Sou um cartunista acidental, nunca publiquei esporadicamente”, explica o dote, para apontar a fonte de tudo em seguida: “A política brasileira é uma matéria-prima para os chargistas. É só abrir as páginas políticas que o Cartum está lá, escrito.
A charge, segundo Ferdo, é instrumento legítimo para “denunciar os poderosos”. Foi com um ímpeto controlado, “porque é possível dominar os impulsos, mas não a ponto de desviá-los do alvo” que o chargista “tomou para Cristo” o ex-prefeito Paulo Maluf, numa série de desenhos para jornais que circulavam no Rio, ressaltando o verbo “malufar” nos rabiscos sarcásticos sobre as suspeitas de corrupção envolvendo o político.
Pernambucano de alma carioca, colaborou para alguns números do Pasquim. Foi numa daquelas visitas À redação que Jaguar viu seus desenhos e soltou um “você é perigoso”. Mas com o mercado jornalístico fechado, preferiu comandar um sebo – o tradicional João do Rio, na Lapa – a se enveredar de vez pelos desenhos, embora não tenha se distanciado da prática. Juntou um punhado e lançou um livro.
“Há uma concorrência grande hoje. São poucos jornais para muitos cartunistas” diz, professoral, ao tempo que defende o viés político nos cartuns. “Todo chargista deve ser politicamente incorreto. Rindo, você avacalha com os costumes”, completa.
Ferdo é um homem que transparece o mote: avacalha com os costumes. Foge dos padrões. Comprou uma grande briga, há pouco mais de dois anos, com um elemento que adoça a vida da maioria das pessoas: o açúcar. Descobriu-se diabético e pesquisou a fundo o problema.
“Estudando sobre diabetes, cheguei ao problema do açúcar, e descobri que a verdade passa por esse elemento. O açúcar não é alimento e sim um aditivo químico prejudicial à saúde. A relação de males é grande. Ele provoca, principalmente, o mau funcionamento do sistema das glândulas endócrinas”, explica, para detonar de vez a substância.
“O açúcar serve até para explosivos em bombas artesanais. É uma espécie de pólvora branca que as mães colocam nas mamadeiras das crianças.
Não que tenha faltado ou sobrado açúcar na vida do comunista a ponto de transformá-lo em cidadão “arisco”. Mas a frase dita por Jaguar caiu como uma profecia sobre o cartunista. Ferdo agora mira a sua vingança contra o açúcar. Vai lançar em breve um livro-calhamaço sobre os perigos da sacarose.
“Ela me fez mal e estou devolvendo isso em dobro, orientando as pessoas” conclui, risonho.