Leandro Mazzini

based Brasília, BRAZIL ❤️ 🇧🇷

Professor de Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro

Vejo com pessimismo o futuro da segurança”

A insegurança no Rio de Janeiro chegou a tal ponto que foi preciso o governo estadual recorrer ao Exército brasileiro para inibir o poder do tráfico, em um trabalho inédito no combate a violência que ronda a capital, ao passo que a população fica acuada diante da ineficiência das polícias em combater o tráfico, cada vez mais ousado e armado.

Diante desse cenário, o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), um dos mais respeitados estudiosos sobre violência no país, não vê com otimismo um revés desse quadro caso a sociedade e o governo não se unam com políticas efetivas voltadas para a Educação e o Social. E é claro na posição: enquanto o governo estiver “engessado” no Orçamento e não priorizar investimentos no cidadão e a distribuição de renda, não haverá dinheiro que diminua os índices de criminalidade.


Vivemos uma guerra civil no Rio?

Essa expressão se refere ao número de mortes, mas guerra civil de fato não há. Na guerra, alguém quer tomar o poder de alguém. Não é o caso no Rio. O que temos é uma violência comparada ao de uma guerra civil. Ou seja: 50 mil homicídios por ano no país, entre 500 e 600 por mês no Estado do Rio, uma característica que se encontra em conflitos armados de guerrilha.


E essas mortes estão mais relacionadas ao tráfico?

Temos duas bases de dados: as secretarias de Segurança Pública e do SIM (Sistemas de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde. Deve-se trabalhar meticulosamente ambos, porque eles têm problemas. Os dados do SIM passam por uma revisão e os das secretarias não passam.

Mas o SIM usa os dados das secretarias de Saúde, em que homicídio se classifica por toda pessoa que é morta por mais alguém que não seja por acidente. Isso inclui homicídio culposo. Devíamos ter a informação sobre a vítima e sobre quem faz, mas isso é minoria. A maioria dos homicídios no Estado do Rio não tem informações suficientes no inquérito para detalhar o crime e informações que levem à solução.


Onde os governos erraram para que a segurança pública chegasse a esse ponto e o que pode ser feito para minorar esses índices?

Os dados nacionais a respeito de homicídios começam em 1979. Antes disso, não se sabe. Há dados sobre o município de São Paulo que retrocedem a 1977. A tendência nas metrópoles, nessa década, era a de crescer. Isso de dizer que o governo militar inibiu a violência é uma falsa verdade. As taxas eram mais baixas, mas a ditadura não tem nada a ver com isso.

Na verdade, o mundo era mais seguro. Se estudarmos as taxas de outros países, veremos que eram mais baixas. E elas subiram muito por causa das drogas, tanto aqui quanto lá. A Europa tentou controlar o problema da mortalidade não só por homicídio, mas também por HIV, através de uma política chamada Controle das Consequências Negativas, para manter esse “prejuízo” dentro de parâmetros. Tinham essa ideia: Primeiro, parar (a violência) não dá. Segundo, do jeito que está, há mais mortos. Se liberam as drogas, não tenho dúvidas de que os homicídios serão reduzidos drasticamente.


O senhor é a favor da descriminalização?

Não. Os danos para a saúde pública e para as próprias pessoas seriam piores. Haveria internações psiquiátricas de uma maneira gigantesca. Reduzimos as taxas de homicídio daquela parcela vinculada ao tráfico, mas não se reduz daquela parcela ligada à compra, porque o sujeito ainda tem que manter o vício.

Mas há situações em que o próprio governo distribui droga, como na Europa. Então não precisam roubar e matar para conseguir o entorpecente. Agora, num país em que há fome, como no Brasil, um Estado manter o hábito, que caro, e esse mesmo Estado não conseguir aniquilar a fome, é um problema ético. álcool e cigarro matam mais que droga, mas matam exatamente porque são legais.


Falta conscientização popular ou uma política mais adequada na segurança? Ou é uma utopia minorar os índices da violência?

Não acabamos com a violência dentro de uma democracia de jeito algum. Para acabar, você tem que infringir direitos individuais considerados essenciais, ou seja, todos têm a liberdade de escolha. Por outro lado, quando o regime repressivo (da polícia) cai, causa uma catástrofe, porque temos pessoas que passam do Estado para o crime. É muito mais barato prevenir que remediar.

Estudos de organizações neogovernamentais nos Estados Unidos mostram que, para reduzir o consumo de drogas em 1%, os americanos têm de gastar muito na prevenção do plantio da maconha ou do processamento. Ou tentar impedir a entrada da droga. Como é um país de fronteiras amplas, a droga entra por barco, avião… é muito menos custoso a repressão interna e a prevenção.

Em outras palavras, tratam os dependentes e mostra-se que as drogas são uma roubada. A estimativa americana é que 70% do mercado de drogas é feito pelos viciados, que não fazem outra coisa a não ser consumir. A percentagem dos viciados no Brasil é diferente no que concerne a recursos. Comparativamente, os preços das drogas são mais baratos aqui que nos Estados Unidos. Pra quem vive na favela, a droga é mais barata. Já os “mauricinhos” do asfalto, pagam mais caro. Em termos de percentagem, os recursos que entram para o caixa dos traficantes daqui são bem menores que os de lá. Mas é difícil comparar.


O que não falta hoje é conscientização por parte de ONGs e escolas sobre os perigos da droga. O senhor tem uma visão pessimista ou otimista quanto a esse trabalho?

Ainda pessimista, poderemos reduzir esses números. Faltam recursos públicos. A única maneira pela qual a sociedade poderia resolver isso é pela distribuição de renda. Temos que desonerar o Estado, mas esse Estado gasta uma fortuna com o funcionalismo. O dinheiro que o Estado paga a funcionários que se aposentam prematuramente é o dinheiro que nos falta para outros fins sociais.  

Soma-se a isso os gastos com as forças armadas e com as polícias, e descobre-se que o governo está engessado. A dívida interna é pesadíssima. Se o governo quiser tratar os viciados, não há dinheiro. E se houver dinheiro, por milagre, não há profissionais capacitados em quantidade suficiente para tratá-los. Teríamos que importar profissionais.


O governo age corretamente no combate?

O pior é que hoje fala-se negativamente das drogas e do traficante e se ignora o consumidor. Temos que pensar em alternativas, como em geração de empregos, mas como gerar empregos se o país não investe? Certamente haveria uma queda de homicídios.


Então a ideia do presidente Lula de “adotar” um jovem antes que o tráfico o adote é uma alternativa.

Certamente. É um espírito cristão que falta a muita gente.


Estamos em um caminho apertado. Sem dinheiro não há como investir em Educação e em geração de renda. Como se resolve essa questão?

Tenho uma visão pessimista. Vejo as taxas de violência crescendo ano após ano. Elas cresceram dramaticamente no governo Brizola e continuam a aumentar. Com a ideia de “polícia não sobe morro”, criaram áreas de Estados paralelos com atividades ilegais.

O Estado tenta minorar os efeitos da má distribuição de renda, mas ele próprio causa a defasagem. É muito simples jogar pra cima do Estado, pra cima do Imperialismo, do Capitalismo, a culpa por isso, mas ninguém se pergunta: “o que é que eu faço ou deixo de fazer” para melhorar a situação do país? É o exame de consciência que não é feito porque nós temos explicações fáceis: colocamos a culpa no governo.