Era 1999:
– Alô, senador?
– Olá, como vai você? – ele responde com aquele vozeirão.
– É o Leandro.
– Leandro do JB, e de Muriaé… – rindo ele.
Assim se dava todo início de conversa nossa por telefone, quando o então senador mineiro José Alencar me concedia pequenos depoimentos sobre assuntos sócio-políticos, antes de ser eleito vice-presidente da República na chapa de Lula da Silva.
Anos se passaram, eu e Alencar só nos conhecíamos por telefone, e aumentou aquela curiosidade de ver pessoalmente um conterrâneo que chegou ao poder máximo do Brasil – ser o vice-presidente não é somente uma sombra de Lula, nem um adicional ao currículo. Quis o destino que nos encontrássemos em Brasília, em algumas ocasiões em que só os apertos de mãos celebrassem sorrisos rápidos. Em outra ocasião, em Belo Horizonte , conversamos rapidamente antes de eu embarcar com o ministro das Cidades, Marcio Fortes, para evento em Muriaé. Alencar sempre prometeu ir. O cargo o sequestrava da terra natal.
Por isso, com tantos telefonemas desde 2000, tantos rápidos apertos de mãos eu sentia que faltavam os nossos olhares, não os protocolares de encontros ocasionais. Necessitava do bom papo de mineiros ao sabor de um café passado, de causos que só ele poderia contar do alto de sua saga empresarial e política. Fiquei praticamente dois anos, em mensagens oficiais e esporádicas, à espera de um encontro.
Num início de noite de 2007, exausto na redação do Jornal do Brasil em Brasília, de olho nas notícias da internet, recebi um telefonema. A voz um pouco embargada do outro lado da linha denunciava um sotaque conhecido. Era a voz do poder.
– Você pode passar aqui amanhã para um papo? indagou-me Alencar.
Diante do sim imediato do repórter, sem levar em conta horários, ele emendou:
– Mas não quero pergunta de compadre. Você pode perguntar o que quiser.
E no dia seguinte lá estava eu, paramentado como manda o figurino para esses protocolos. José Alencar, naquela tarde, era o presidente da República em exercício, em sua sala no Anexo do Planalto, e não usava nunca o gabinete do presidente Lula. Sempre descartou isso.
Era uma quinta-feira. A ampla sala no anexo parecia um gabinete papal. Silenciosa, à meia luz, pequenas esculturas, provavelmente presentes, espalhadas por mesas e estante. Levantou-se animado, tirou os óculos e cumprimentou-me. Dali, até o fim do papo, foram praticamente três horas de conversa. Eu, ele e um subeditor que levei – o que resultou numa entrevista especial publicada no Jornal do Brasil.
Alencar foi solícito – a ponto de, diante do repórter inquieto preocupado com agendas vespertinas, desabafar num tom amigável: Não se preocupe comigo, podemos passar a tarde aqui.
Alencar contou de memórias de sua juventude em Minas – em Muriaé, inclusive, sobre a saga de virar pequeno empreendedor aos 18 anos. Presenteou-me com um livro que relata, em fotos e textos, a construção de seu império têxtil da Coteminas, sem pompas, e seu semblante e comportamento desnudavam a imagem não de rei, mas de um súdito sempre disposto a felicitar seu interlocutor. Revelou pequenas anedotas e casos da campanha fracassada para o governo de Minas em 1994. Chorou ao ler uma das numerosas cartas que recebe de admiradores – vejam, era o presidente da República chorando à minha frente, não tinha ideia do que viria: “complete a leitura para mim, soluçou, ao passo que o atendi de pronto. E a tarde não parecia ter fim.
Saí da reunião mais encantado com a figura do ilustre conterrâneo. Dei uma volta pelos jardins do anexo, à procura do táxi que chamara, e depois de voltas e voltas ali encontrei o motorista parado, com cara de paisagem e sorriso à meia boca, em frente à entrada do gabinete do homem. Suspeitei de algo e ele soltou:
– Acabo de ver o grande José Alencar – disse-me, já ligando o carro.
“Eu também, e você não sabe o que perdeu”, imaginei, sorrindo com os olhos.
Desde o ronco do motor do táxi naquele crepúsculo de dia quente em Brasília, até o momento em que você está lendo este texto, a sensação é imutável. Se cada brasileiro passasse pela experiência de conviver, por poucas horas, com o brilhantismo daquele homem, ficaria a esperar depois de cada tilintar do telefone uma voz rouca a convidar: “Passe aqui para um café”.